Diminuam os bolsos, a carteira sumiu!

Será que os celulares de hoje ainda podem ser chamados de "telefones"? A dúvida cresce conforme a infinidade de utilidades desses aparelhos de mão vão surgindo. Primeiro, veio a voz, depois a calculadora seguida da agenda de contatos, joguinho de serpente, máquina fotográfica, walkman, televisão e não parou mais. Hoje, celular com MP3 player e máquina fotográfica não é nenhuma novidade, e sim, o básico.

 

Ninguém gosta de andar por aí carregando três ou quatro objetos no bolso, por mais "brancos" e "in" que eles possam ser. Para muitos, apenas a carteira e o celular já são motivo de incômodo. É para a felicidade dessas pessoas que os "telefones" celulares estão em constante mutação. A mais recente tem a ver com o tão falado m-Commerce. E quem achava que, por causa dele, operadoras móveis se tornariam instituições financeiras ou que serviriam de canal entre assinantes móveis e a rede bancária, estava enganado. Pelo menos, é o que o rumo das coisas estão mostrando. A prova disso é uma tecnologia muito popular na Ásia, que está direcionando o rumo do mobile commerce em todo o mundo.

 

Quem já ouviu falar em FeliCa? No Brasil, provavelmente, poucos, além de alguns usuários de produtos Sony. O chip FeliCa, desenvolvido pela Sony, é, até o momento, a tecnologia de e-wallet (carteira eletrônica) mais evoluída que existe. Ela dispensa contato físico, não concorre com o Bluetooth ou UWB (antes que alguém pergunte) e está mais para smartcard do que RFID. O chip FeliCa é um super smartcard sem fio. O significado criativo do nome, como não podia de deixar (vindo da Sony) tem a ver com "Felicity" e "Card". Felicidade esta, resultado de uma vida mais prática, sem dezenas de objetos pesando em nossos bolsos.

 

E o que felicidade tem a ver com mobilidade? No Japão, tudo. Uma pequena, porém crescente, parcela da população nipônica, ao invés de tirar a carteira do bolso na hora de pagar por bebidas ou bilhetes de trem, apenas encosta o "keitai-denwa" (celular) no leitor do caixa. O mais sofisticado desses keitais, O DCMX, lançado pela DoCoMo, pode ser utilizado como dinheiro (e-money, sem senha nem pin code) ou cartão de crédito. No caso de uma compra de valor mais elevado, a câmera do aparelho faz uma identificação biométrica do rosto do usuário. Em aparelhos mais simples, a identificação é feita através de um leitor de impressão digital. 

Alguns perguntam "por que uma nova tecnologia no lugar das (tantas) já existentes?". Alguém se lembra que um ou dois fabricantes de veículos europeus chegaram a cogitar a fabricação de carros com abertura de porta via chave Bluetooth? Com o nível de (in)segurança que o Bluetooth demonstrou ter desde que se tornou popular, parece que idéias como essa, envolvendo segurança, foram rapidamente varridas para baixo do tapete. Combinar tecnologias como o Bluetooth com aplicações envolvendo dinheiro seria, no mínimo, insano. Imagine um "e-trombadinha" tentando "bater" a "e-grana" do seu celular, a dez metros de distância. Esse, com certeza, não é o cenário que esperamos para o "m-futuro".

 

"Ah, isso não é m-Commerce", alguns dirão. Como não? Não são produtos e serviços sendo comprados através do celular? Será que, para ser considerado m-Commerce, é necessário enviar (via rede móvel) uma solicitação de compra para a insituição financeira, que por sua vez, autoriza o débito e envia uma mensagem de volta para o estabelecimento, que por sua vez emite um sinal para a máquina de vending machine liberar uma simples lata de refrigerante, sendo que o simples processo de compra pode ser resolvido ali mesmo, em apenas 10 centímetros? Através da forma "clássica", no mínimo, a latinha sairia alguns reais mais cara, assim como aquele conhecido lava-rápido lá na Finlândia...

 

Quem defende o modelo clássico e mais complexo (via rede móvel) deve estar torcendo o nariz para a FeliCa, enquanto os detentores da "malha" de crédito e débito (Visanet, Cirrus, Smarnet), não só estão acompanhando bem de perto o que está acontecendo, como um deles já anunciou que está prestes a lançar "cartões sem contato" no país. O próximo passo (natural) é a introdução desses chip nos celulares. Para isso, basta que emissores de cartão, fabricantes e "oposição" entrem em acordo e saiam todos ganhando.

 

Nesse novo modelo envolvendo o e-Money, o papel das operadoras de celular é incerto, já que quase toda a transmissão das redes de débito e crédito é feita de forma terrestre. Não há dúvidas de que o modelo clássico de m-Commerce continuará existindo, porém, restrito e adequado ao consumo de "bens digitais" ou intangíveis, como ringtones, wallpapers, serviços de telefonia celular, etc. Outra possível forma de participação das operadoras nesse formato, é a recarga de créditos (e-Money) via rede celular/OTA.

Voltando ao FeliCa

Seu chip, praticamente impossível de ser clonado ou forjado, transmite dados em alta velocidade e com um alto nível de segurança.

A comunicação, que só pode ser feita com a aproximação do leitor (min. 10cm), acontece de forma simétrica, a 13.56Mhz, com uma taxa de transferência de 212 kbps (podendo chegar até 847 kbps), mais que o suficiente para efetuar pagamentos e ou enviar um v-card, não?

Ao aproximar o cartão do leitor, a transação acontece em um décimo de segundo, incluindo a encriptação de segurança.

 

As aplicações da tecnologia FeliCa são as mais diversas:

Simples pagamentos

Ticket de trem ou de metrô, corridas de taxi, compras, bilhete de cinema, refrigerantes ou cigarros em vending machines, telefones, banheiros públicos, etc.

E-commerce

Alguns computadores já estão saindo de fábrica com leitor FeliCa. Com isso, o mesmo cartão ou celular utilizado para fazer compras no 7-11 ou Circle-K, pode ser debitado durante uma "passadinha" na Amazon.

Um leitor externo também pode ser comprado e instalado em qualquer computador com porta USB.

Identificação pessoal ou profissional

O FeliCa funciona como carteira de identidade, cartão de acesso ou de visitas. Com um notebook da Sony, por exemplo, é possível desbloquear o computador ou acessar aplicativos utilizando o cartão ou celular no lugar da senha digitada.

Cartão de crédito

No Japão, por exemplo, é possível integrar o cartão de crédito com a e-wallet do celular. O processo de compras é o mesmo: o usuário aproxima o celular do leitor e o estabelecimento faz a validação junto à emissora do cartão (verificando se há crédito disponível, se o "cartão" está em dia , se não foi roubado, etc).

Programas de milhagem

Em muitos supermercados da Ásia, no final da compra, é comum que a atendente peça para você encostar o cartão Octopus no leitor para receber o bônus daquela transação. Alguns estabelecimentos, com o intuito de atrair transeuntes, colocam leitores onde as pessoas podem simplesmente passar o cartão e receber algum tipo de bônus.

Segurança

Abertura de portas, cofres, etc. Funciona da mesma forma que o cartão de acesso empresarial. Os cartões autorizados são cadastrados na central eletrônica da casa, empresa ou automóvel.

Multas

Você é daqueles que gosta de atravessar a rua com o sinal para pedestres fechado? Se estiver na Ásia, faça com o cartão em mãos, pois a probabilidade de receber uma "e-multa" in loco será proporcional à chance de chegar vivo do outro lado da rua.

 

Essas são apenas algumas aplicações já existentes e que mostram o que a tecnologia FeliCa permite. Atualmente, a FeliCa em forma de cartão está sendo utilizada com muito sucesso em boa parte dos países asiáticos e europeus. O DCMX credit-card phone é mais um sinal da constante mutação dos aparelhos celulares, agora, prestes a "fagocitar" cartões de crédito e toda a sujeira que circula junto com moedas e notas de dinheiro. Para os desenvolvedores que gostam de colocar a mão na massa e entendem bem o significado do expressão "time is money", o SDK do FeliCa já está disponível.

 

Uma página da Sony disponibiliza diversos programas, em sua maioria, utéis apenas para quem mora no Japão (por enquanto). Com esses aplicativos, usuários de computadores com leitores FeliCa podem acessar o saldo digital de seus celulares ou cartões do tipo Edy (bitWallet) ou Suica (JR East), ver o histórico de utilização com as últimas transações feitas, entre outras coisas mais.

 

Com a incorporação da tecnologia FeliCa em "telefones" celulares, parece que as carteiras (e tudo mais que há dentro delas) viraram fortes candidatas à peças de museu nas próximas décadas.

 

Para finalizar, antes que perguntem se trabalho para a Sony ou quanto estou recebendo para escrever o artigo, digo apenas que sou um feliz usuário. Não deve demorar para que eu fique ainda mais, pois há um boato sobre um suposto aparelho Sony Ericsson com a logomarca do PSP... Está ligando os pontos?

 

Ricardo Menezes é diretor de criação e designer de mídias interativas certificado pela Adobe/Macromedia. Trabalha no mercado de mídias interativas desde 1992. Foi responsável pelo desenvolvimento dos primeiros projetos de multimídia da Midialog (atual AgênciaClick), desenvolveu projetos para a divisão interativa da TV1 e fundou a Invision Comunicação Interativa em 1996. Atualmente reside na Ásia, de onde abastece o MobileZone com as últimas novidades sobre mobilidade e tecnologias sem fio.

 

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