Depois de conhecermos um pouco a relação entre os sistemas de informações geográficas (SIG), os banco de dados (que em alguns casos são denominados banco de dados espaciais) e seus modelos de dados, iremos conhecer um pouco mais sobre as aplicações e utilidades desses sistemas para o nosso dia a dia.

Diversos tipos de usuários interagem com um SIG. Eles observam os fenômenos geográficos sob diferentes visões e objetivos. Diante disso, os dados geográficos ou não geográficos relevantes para determinada finalidade podem ser irrelevantes para outra aplicação. A relação ou importância entre a resolução e detalhamento das informações quanto à freqüência de atualização também variam.

Em detrimento a estes vários perfis de usuários, somados a uma diversidade de aplicações dos sistemas de informações geográficas, conseguimos definir as características dos dados geográficos e das funções de análise e tratamento necessários para cada combinação de interesse.

SIGs e o meio ambiente: controle de queimadas, desmatamento e reflorestamento, agricultura de precisão e turismo

A crescente expansão das atividades humanas sobre o meio ambiente tem gerado aumento expressivo da demanda por tecnologias de manejo ambiental. A necessidade de mapeamento, manejo e monitoramento dos recursos naturais renováveis e não renováveis tem resultado na evolução tecnológica dos sistemas de informações geográficas.

Com o aumento da população mundial, iremos cada vez mais nos espremer no pequeno planeta Terra em busca de mais comida, água potável e combustível. Como resultado, o manejo adequado dos recursos naturais talvez seja o maior problema enfrentado pela humanidade. Os SIGs, utilizados inicialmente apenas no auxílio à elaboração de mapas, vêm sendo cada vez mais utilizados na extração de informações e tomada de decisões, inclusive de ordem ambiental.

Deste modo, pode-se apontar pelo menos quatro grandes dimensões dos problemas ligados aos Estudos Ambientais, onde é grande o impacto do uso dos SIGs: mapeamento temático, diagnóstico ambiental, avaliação de impacto ambiental, ordenamento territorial e os prognósticos ambientais.

Os estudos de mapeamento temático visam entender e caracterizar a organização do espaço, por exemplo, em levantamentos temáticos (geologia, solos, cobertura vegetal).

Em se tratando de diagnóstico ambiental, temos o estabelecimento de estudos específicos sobre regiões de interesse, com vistas a projetos de ocupação ou preservação.

Os projetos de avaliação de impacto ambiental envolvem o monitoramento dos resultados da intervenção humana sobre o ambiente e os trabalhos de ordenamento territorial buscam normalizar a ocupação do espaço, racionalizando a gestão do território visando um desenvolvimento sustentável.

Diante desse contexto, uma série de aplicações podem ser desempenhadas pelos SIGs:

  • Monitoramento de áreas de preservação ambiental;
  • Monitoramento de focos de incêndio;
  • Criação de mapas temáticos com índices de desmatamento e reflorestamento;
  • Delimitação de áreas com potencial turístico.

Controle de queimadas

No Brasil, segundo informações do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a quase totalidade das queimadas é causada pelo homem por razões muito variadas: limpeza de pastos, preparo de plantios, desmatamentos, colheita manual de cana-de-açúcar, vandalismo, balões de São João, disputas fundiárias, protestos sociais, e etc. Mais de 300.000 queimadas e nuvens de fumaça cobrindo milhões de km2 são detectadas anualmente através de satélites, tendo o Brasil lugar de destaque como um grande poluidor e devastador.

Como parte do esforço de monitorar e minimizar o fenômeno das queimadas, o INPE vem desenvolvendo e aprimorando desde a década de 1980 um sistema operacional de detecção de queimadas (Figura 9). A partir de 1998, esse trabalho passou a ser feito conjuntamente com o IBAMA/PROARCO, dando ênfase particular à Amazônia. Os dados utilizados nesse sistema são obtidos nas imagens termais dos satélites meteorológicos NOAA quatro vezes ao dia, GOES oito vezes ao dia, e Terra e Aqua duas vezes por dia, e em seguida integrados a dois sistema geográficos de informações (SpringWeb-Queimadas e TerraLib-Queimadas) que podem ser utilizados pela internet. As informações são disponibilizadas operacionalmente aos usuários cerca de 20 minutos após as passagens dos satélites.

Sistema operacional para controle de queimadas
Figura 9. Sistema operacional para controle de queimadas. URL: http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/

Desmatamento e reflorestamento

No Brasil, diversas pesquisas são realizadas na área de monitoramento dos desmatamentos, principalmente os que atingem a área da Amazônia legal. O projeto PRODES (Projeto de Estimativa do Desflorestamento Bruto da Amazônia), desenvolvido pelo INPE, busca monitorar as atividades realizadas nessa área, apoiado os pesquisadores em relação a:

  • Geração de estimativas periódicas da extensão;
  • Taxa média de desflorestamento bruto;
  • Indica geograficamente as áreas mais críticas;
Desmatamento registrado em 1990 pelo sistema PRODES
Figura 10. Desmatamento registrado em 1990 pelo sistema PRODES

Agricultura

Atualmente, obter altos índices das colheitas é vital para as propriedades rurais. A realidade econômica da agroindústria mundial tem obrigado os produtores rurais a buscar novas formas de aumentar os rendimentos em suas propriedades. Para atender a esse novo paradigma, novos conceitos, métodos e técnicas, como a agricultura de precisão, devem ser incorporadas ao processo produtivo da agropecuária, envolvendo mudanças radicais de atitudes em relação ao que se pratica hoje.

A falta de conhecimentoadequado sobre os diferentes ecossistemas, com a conseqüente utilização de tecnologias inadequadas, tem contribuído para a perda de competitividade econômica do setor agrícola, bem como para a degradação ambiental. Os compromissos assumidos ao nível do desenvolvimento sustentável obrigam a adoção de tecnologias avançadas com o objetivo de diminuir as diferenças entre as produtividades experimental e real.

Neste contexto, o ambiente, em especial os solos, apresentam uma variabilidade espacial que até agora não tem sido devidamente tomada em consideração nos diversos processos produtivos aplicados na agricultura,inclusive no que se refere à transferência das tecnologias geradas pela pesquisa agrícola.

Considerando que tal variabilidade deve ser incorporada aos procedimentos e tecnologias aplicados na agricultura, há alguns anos, agricultores de países de tecnologia avançada estão adotando um novo sistema de produção denominado Precision Agriculture, Precision Farming, no Brasil denominado de Agriculturade Precisão. Seu principal conceito é aplicar no local correto, no momento adequado, as quantidades de insumos necessários à produção agrícola, para áreas cada vez menores e mais homogêneas, tanto quanto a tecnologia e os custos envolvidos o permitam. Para tal, é necessário oconhecimento dos agro-ambientes, de forma a propiciar os níveis essenciais de informação necessários à identificação e separação destes e a elaboração de técnicas e métodos visando a adoção dessastecnologias.

Abaixo estão relacionadas alguns benefícios advindos da utilização dos SIGs na agricultura:

  • Obtenção de locais de baixa e mínima produtividade usando a tecnologia GPS, mapeando essas áreas para posterior correção do problema;
  • Maximização dos retornos através da aplicação correta da informação gerada e com as ferramentas corretas, possibilitando realizar intervenções reduzindo e distribuindo de forma mais eficiente os insumos da lavoura;
  • Utilização dos insumos de forma mais racional, possibilitando a redução do impacto dos mesmos sobre o meio ambiente, através de aplicações localizadas de fertilizantes e herbicidas, tornando estas atividades mais sustentáveis;
  • Armazenamento de dados;
  • Dados de diversos períodos armazenados eletronicamente;
  • Gerenciamento localizado, previsão de produção, cruzando informações de outros períodos, com clima, ataques de insetos e doenças;
  • Determinação da quantidade de nutrientes a serem aplicados em determinada área.
Equipamentos da agricultura de precisão
Figura 11. Equipamentos da agricultura de precisão. Fonte: SLC/John Deere Precision Farming

A Figura 11 apresenta alguns equipamentos utilizados na agricultura de precisão. Já a Figura 12 apresenta um dos softwares disponíveis para este fim.

Exemplo de programas utilizados na agricultura de precisão
Figura 12. Exemplo de programas utilizados na agricultura de precisão

Turismo

Os SIGs têm sido adotados no gerenciamento de parques nacionais em países como o Canadá e Estados Unidos há mais de duas décadas. No Brasil, temos como exemplo o modelo de geoprocessamento do Parque Estadual de Campos de Jordão, na Serra da Mantiqueira, que possui uma área de 8172 ha, situado em um dos mais importantes centros turísticos do Brasil. Na alta temporada, o parque recebe diariamente mais de 2000 visitantes, um crescimento de cerca de três vezes considerando os dados da década de 80.

Esse crescimento pode provocar impactos negativos nos equipamentos ecoturísticos, tais como as trilhas existentes. Portanto, torna-se necessário o planejamento da abertura ou mesmo o fechamento de certas trilhas.

Com o geoprocessamento, um dos produtos obtidos foi um estudo onde se buscou encontrar as áreas aptas para a implantação de trilhas, como visto na Figura 13.

mapeamento das áreas de aptidão para implantar trilhas
Figura 13. Mapeamento das áreas de aptidão para implantar trilhas. Parque Estadual de Campos do Jordão

Os SIGs e suas aplicações comerciais

A maioria das decisões comerciais envolve algum tipo de informação geográfica. A tecnologia SIG fornece, aos usuários financeiros, percepções a respeito de hábitos de consumo, comportamento financeiro e demanda por produtos e serviços. Como resultado eles conseguem definir melhor seu público-alvo.

O mundo dos negócios lida com uma grande quantidade de informações sobre vendas, consumidores, perfis demográficos, listas de endereços e muito mais. E o conteúdo destas informações é uma localização geográfica, um endereço, uma área de serviços, um território de vendas ou uma rota de entregas, que podem ser visualizados e gerenciados através de mapas.

Gerentes comerciais, estrategistas de marketing, analistas financeiros e planejadores profissionais estão progressivamente dependendo mais de SIG para organizar, apresentar e analisar seus dados de negócios. Através da amarração de dados a localizações específicas, como endereços de ruas, códigos CEP, e setores censitários, podem ser criados “mapas de negócios” que permitem a identificação de padrões e a compreensão de relacionamentos que a simples observação de tabelas não torna aparente. Existem atualmente soluções de SIG voltadas para o mercado imobiliário que tratam, desde o gerenciamento baseado em mapas, até a análise de investimentos sofisticados.

No mercado imobiliário, os SIGs podem integrar grande quantidade de dados em um formato comum, o mapa. A agregação de uma extensa variedade de informações afeta a atratividade e o valor de uma propriedade, resultando em uma representação mais acurada da adequação do imóvel ao uso pretendido.

Com isto, um corretor imobiliário, informado das necessidades do cliente, recupera da base de dados os imóveis que atendam aos critérios estabelecidos e apresenta as informações e imagens relacionadas, sem necessidade real de deixar o escritório.

Geomarketing

O território tem imbuído varáveis que podem ser determinantes na estratégia de marketing. Algumas perguntas, tais como: onde localizar, onde investir e onde estão os potenciais clientes podem ser facilmente respondidas utilizando técnicas de marketing somadas ao poder do geoprocessamento.

O Geomarketingintroduz no marketing o conceito de espaço, através de:

  • Estudos dinâmicos;
  • Ocorrências voláteis no tempo;
  • Situações que assumem constantemente novos contornos.

Nesta área o uso de aplicações SIG auxilia na identificação do potencial de vendas das diferentes regiões, fornecendo informações para eventuais promoções em pontos menos nobres. Além disso, pode ser realizada segmentação de mercado, pois se existirem dados disponíveis dos clientes com suas respectivas necessidades (obtidas através de pesquisas), pode-se estabelecer padrões de serviço diferenciados. A visão espacial ajuda muito neste aspecto, como podemos evidenciar nas figuras 14 e 15. Nelas temos a análise espacial de determinada população ao longo das vias de maior acesso de uma cidade, além de uma consulta que resultou em um buffer cruzando as informações de distribuição da população com a taxa de compradores, respectivamente.

Distribuição da população ao longo das vias principais
Figura 14. Distribuição da população ao longo das vias principais
Número estimado de pedestres consumidores
Figura 15. Número estimado de pedestres consumidores

Mercado imobiliário

O conceito de geoprocessamento aplicado ao mercado imobiliário envolve o planejamento de ações visando alocação e gerenciamento de empreendimentos e análises estratégicas voltadas à exploração do mercado imobiliário. Realizando mapeamentos direcionados ao mercado comercial ou residencial, o setor imobiliário consegue oferecer um maior suporte aos seus clientes, antes mesmo de mostrar-lhes o imóvel.

Desta forma, saber informações como proximidade a escolas, shopping centers, principais ruas, pontos de ônibus, hospitais, parques, áreas verdes, distância a aeroportos, favelas, áreas inundáveis, ruas com tráfego pesado são fatores que devemos levar em consideração no momento de selecionarmos um imóvel residencial.

Para o mercado imobiliário comercial, conhecer a geografia do mercado é um ponto essencial para o desenvolvimento de negócios. Ter informações como proximidade ao cliente alvo, localização de potenciais competidores, taxas de crimes, infra-estrutura de transporte e fatores ambientais de risco podem potencializar a perspectiva de sucesso de um negócio.

Diante disso, diversos produtos podem ser gerados, como os vistos nas Figuras 16 e 17.

Análise de mercado e áreas buffer de influência
Figura 16. Análise de mercado e áreas buffer de influência
Mapeamento temático
Figura 17. Mapeamento temático

Desenvolvendo uma aplicação SIG para a área de transportes

Em nosso próximo artigo iremos demonstrar o processo de desenvolvimento de uma aplicação SIG, saindo desde os processos de análise, modelagem e desenvolvimento da aplicação voltada para a área de transportes, mais especificamente para o controle das ocorrências e das atividades de manutenção e conservação de um sistema rodoviário.

O projeto em questão apresentará um sistema web para gestão e operação de rodovias, porém pelo caráter didático do trabalho, o sistema será projetado para um pequeno trecho de uma rodovia. Os dados são tratados espacialmente, de forma que todo acontecimento (ocorrência) na rodovia poderá ser atendido e localizado geograficamente nos mapas. O trabalho vislumbrará funcionalidades diversas para o sistema, tais como conservação, manutenção e operação de rodovias. O sistema será implementado nos 16 quilômetros iniciais da Rodovia dos Bandeirantes – SP 348, administrada pela empresa AutoBan.

Com este artigo buscamos evidenciar a quantidade de possíveis e reais aplicações que estão ligadas aos Sistemas de Informações Geográficas.

Para as pessoas em que esta tecnologia despertou interesse, vale a pena citar o site do projeto de SIG da UNESCO, acessível através do endereço http://gea.zvne.fer.hr/project.html. Nele você poderá adquirir uma grande quantidade de conhecimentos nesta inovadora tecnologia.

Para quem for buscar no SIG a oportunidade de acesso ao mercado de trabalho, vale a pena conhecer os programas de especialização latu-senso e strictu-senso disponíveis em centros de referência do Brasil, como os oferecidos pela Divisão de Processamento de Imagens do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) (http://www.dpi.inpe.br), pelo Núcleo de Geoprocessamento do Departamento de Engenharia Civil (Deciv) da Universidade Federal de São Carlos (http://www.ngeo.ufscar.br / http://www.faimi.edu.br/geo) e pelo Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP (http://www.ptr.poli.usp.br).

Referências

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  • CHIARA, C. T. D., 2004, Capitulo 08 - Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 26 p.
  • FILHO, H. F., 2001, Tecnologia de precisão na agricultura., Curso de especialização em Geoprocessamento, v. 01: NGeo, Deciv/UFSCar/NGeo, p. 11.
  • FILHO, H. F., 2001, SIG aplicado ao meio ambiente., Curso de especialização em Geoprocessamento: Mirassol, Deciv/UFSCar/NGeo, p. 17.
  • FILHO, H. F.; QUINTANILHA, J. A., 2003, Geoestatística., Curso de especialização em Geoprocessamento: Mirassol, Deciv/UFSCar/NGeo, p. 19.
  • MEIRELLES, A. A. D. C. Palavra-chave: sistemas de informações geográficas, planejamento urbano, criação de base de dados geográficos., p. 16, 1999.
  • MOURA, M. C. D.; RIBEIRO, C. A. A. S.; TIBIRIÇÁ, A. C. G.; SOARES, V. P. Criação da rede e base de dados para o sistema viário de Viçosa – MG, utilizando SIG., v. 01, p. 08,
  • RODRIGUES, M., 1990, Introdução ao Geoprocessamento. In: Sim. Brasileiro de Geoprocessamento.: São Paulo, p. 1-26.
  • RÖHM, S. A., 2001, O que é sistema de informações geográficas., Curso de especialização em Geoprocessamento: Mirassol, Deciv/UFSCar/NGeo, p. 35.
Thiago Simonato

Thiago Simonato (simonato@gisconsult.com.br) é mestrando em Geoprocessamento no Departamento de Transportes na Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP, professor na FAIMI no curso de Sistemas de Informação e Gerente de Tecnologia da GIS Consult.

Ronaldo Sales

Ronaldo Sales (ronaldo.sales@poli.usp.br) é mestrando em Geoprocessamento no Departamento de Transportes na Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP. Atua como Oracle Developer na En-Sof Consultoria e Treinamento.

Vinicius Maeda

Vinicius Maeda (vinicius.maeda@poli.usp.br) é bacharel em Ciências da Computação pela UEMS de Dourados-MS. Atualmente é mestrando do curso de Geoprocessamento na área de Informações Espaciais do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP.