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Para que serve este artigo
O presente artigo tratará da autoconfiguração stateless via router advertisement, ou seja, uma das técnicas que permite configurar os computadores automaticamente, sem que haja armazenamento das configurações no roteador, no atual cenário do Protocolo Internet versão 6 (IPv6).

As informações contempladas neste artigo ampliam o conhecimento de redes IPv6, mostrando uma das maneiras de se configurar endereços nos computadores. Deste modo, um administrador de redes poderá se atualizar e assim julgar qual é a melhor técnica para se alocar endereços em diversas situações.

Com o iminente esgotamento do IPv4, a cada dia que passa, mais e mais o assunto IPv6 fica em evidência. As pesquisas de medição mais recentes demonstram um crescente aumento no número de dados trafegados neste protocolo. A conscientização das empresas provedoras de serviços na web, em conjunto com os provedores de acesso a internet, tem acelerado o processo de implantação. Há, portanto, uma grande demanda de profissionais, tais como administradores de rede, técnicos de TI e professores que possuam conhecimento na área. Assim, estar atualizado neste cenário do IPv6 significa ter um diferencial no mercado de trabalho.

Tendo isso em vista, este artigo se propõe a explanar uma das funcionalidades essenciais do IPv6, a autoconfiguração de máquinas. Desta forma, a partir de uma única configuração no roteador, todas as máquinas que estiverem conectadas à rede configurar-se-ão a si mesmas. Evita-se, com isso, o problema de ter que digitar, repetidamente, todas as informações em cada uma das máquinas.

O método de autoconfiguração de máquinas que será descrito é o stateless, que significa ausência de armazenamento de estado. Desse modo, nenhuma máquina saberá das informações configuradas nas outras máquinas, além da sua própria configuração. É diferente do DHCP, que mantém as informações centralizadas em um servidor.

Por motivos didáticos, o artigo foi dividido em duas partes: uma teórica, que explicará como a autoconfiguração stateless via router advertisement funciona; e uma prática, na qual o leitor poderá seguir o passo a passo para implementar a funcionalidade numa rede qualquer.

Revisão sobre IPv6

Antes de entrar no assunto do artigo, alguns conceitos elementares sobre IPv6 precisam estar bem consolidadas na mente do leitor. Para isso, uma pequena revisão foi escrita para ajudar. Caso já tenha lido o artigo sobre DHCPv6 ou já possua conhecimento básico sobre IPv6, a leitura da revisão será desnecessária para a compreensão geral do texto.

Endereço IPv6

O endereço IPv6 é composto por 128 bits, dispostos em oito campos separados pelo caractere dois pontos (“:”). Cada campo possui quatro dígitos hexadecimais, que por sua vez são compostos por quatro bits (multiplicando oito campos com quatro hexadecimais e quatro bits, chega-se ao valor total de 128 bits). Um exemplo de endereço IPv6 é:

2001:0DB8:0000:F0F0:CA00:0ADA:00E0:B100

Sobre os números hexadecimais utilizados no endereço IPv6, convém lembrar que estes podem variar entre 0 a 9 e de A a F (independente se for maiúscula ou minúscula).

Regras de abreviação

Três regras de abreviação podem ser aplicadas para melhorar a legibilidade dos endereços. A primeira expõe que devem ser omitidos todos os casos de zeros à esquerda. A segunda fala que é possível representar quatro zeros, pertencentes ao mesmo campo, com apenas um único zero. Por fim, a terceira permite substituir uma única sequência continua de zeros, relativos a um ou mais campos, por “::” (dois pontos, dois pontos). Para ilustrar melhor como estas regras operam, a seguir apresentamos um exemplo:

Sem regras: 2001:0DB8:0000:0000:C0CA:DA00:0000:D0CE

Com regras: 2001:DB8::C0CA:DA00:0:D0CE

Prefixo IPv6

Todo endereço IP pode ser separado em duas partes: uma que identifica a rede e outra que identifica uma interface de uma máquina na rede. O que delimita essa separação é o valor chamado prefixo. O prefixo é constituído por um número decimal que varia de 0 a 128 (tamanho máximo do endereço). Esse número representa uma simples contagem de bits, da esquerda para a direita, que compõe a identificação da rede. O resto dos bits forma a identificação da interface de uma máquina. A Figura 1 expõe como o endereço IPv6 é formado com um prefixo.

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Figura 1. Endereço IPv6 com prefixo

Nesta figura, a rede é composta pelos 64 primeiros bits (2001:DB8:CAFE:C0AD:), enquanto que o resto identifica a máquina (0123:4567:89AB:CDEF).

Classificação dos endereços

Os endereços IPv6 podem ser categorizados em três tipos: unicast, anycast ou multicast. O endereço unicast serve para designar uma única interface de uma máquina. Já os endereços anycast e multicast, por sua vez, são utilizados para identificar um grupo de interfaces. A diferença entre os dois é que se um pacote é enviado com o destino anycast, somente a máquina mais próxima da origem receberá e responderá o pacote, enquanto que se o destino for multicast, todas as máquinas do grupo receberão e responderão o pacote.

Autoconfiguração Stateless de endereços IPv6

Após a compreensão dos conceitos básicos sobre o endereço IPv6, podemos iniciar a explicação sobre a autoconfiguração stateless de endereços via router advertisement. Para tal, será detalhado o protocolo que transmitirá as informações e o procedimento que as máquinas envolvidas realizarão.

Pré-condição

Como se sabe, os endereços IPv6 possuem inúmeros bits em sua composição. Este número excessivo foi criado devido ao esgotamento de endereços da versão anterior, que não conseguiu acompanhar o crescimento da internet. Agora, com o novo endereço de 128 bits, é possível não só prover identificação para as máquinas já existentes, como também para mais de um undecilhão de novas máquinas distribuídas pelo mundo todo.

Todavia, novas recomendações do Internet Engineering Task Force (IETF) sugerem que sejam reservados 64 bits para identificação das interfaces de máquina. Isto significa que sobrarão outros 64 bits para serem usados na geração de identificadores de redes e sub-redes. A Figura 2 mostra como ficará essa separação no endereço IPv6.

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Figura 2. Recomendação de utilização de 64 bits para o identificador de interface.

Refletindo sobre esta recomendação, percebe-se que uma rede, de um enlace qualquer, terá a possibilidade de conter 2^64 dispositivos conectados. É um número enorme para um enlace comum atualmente e, portanto, o leitor deve ter percebido que nem todos os endereços disponibilizados serão utilizados. Haverá, portanto, um enorme desperdício de endereços, mas isso não é um problema. É um novo paradigma que os administradores de redes terão que assimilar!

Tendo em vista a recomendação do IETF, novas aplicações e funcionalidades surgiram utilizando este conceito de separação do endereço IPv6 pela metade (64 bits para o identificador de rede e outros 64 para o identificador de interface). Uma delas é o assunto desse artigo, a autoconfiguração stateless via router advertisement. Para que as máquinas se configurem automaticamente, é preciso trabalhar com identificadores de interface com exatos 64 bits (nem mais, nem menos).

Identificador de interface

O identificador de interface, como já foi dito, é uma das duas partes que compõem o endereço IPv6. Num determinado enlace, ele serve para diferenciar as interfaces das máquinas com o mesmo prefixo. Ademais, o mesmo identificador pode ser reutilizado em mais de um endereço na mesma interface. Todavia, os dois precisam obrigatoriamente estar em sub-redes diferentes (ou seja, prefixos distintos).

Normalmente com 64 bits, o identificador de interface pode ser gerado de diferentes maneiras: manual, randômica, temporária ou algorítmica. A autoconfiguração stateless, na maioria dos sistemas operacionais, utiliza o algoritmo baseado no endereço MAC (camada de enlace) EUI-64. Por causa disso, ele é essencial para a compreensão da parte prática mais adiante. Seu funcionamento está detalhado a seguir:

1. Obtém-se o endereço MAC, padrão IEEE 802, que é composto por 48 bits, como por exemplo, A9:BD:12:87:0C:EF;

2. Inverte-se o sétimo bit, da esquerda para a direita, desse endereço (lembre-se que cada hexadecimal é formado por quatro bits). No exemplo A9:BD:12:87:0C:EF, o sétimo bit se localiza dentro do campo A9, que convertido em binário é 10101001. Invertendo o bit em vermelho, o resultado fica 10101011, que em hexadecimal é representado por AB. Então, após o término desse passo, teremos AB:BD:12:87:0C:EF;

3. Adiciona-se os dígitos hexadecimais FF:FE entre o terceiro (em verde) e o quarto byte (em azul) do resultado do passo anterior (AB:BD:12:87:0C:EF). Logo, o exemplo ficaria assim: AB:BD:12:FF:FE:87:0C:EF;

4. Por fim, transforme o resultado do passo antecedente usando o padrão do endereço IPv6, onde cada campo é composto por quatro hexadecimais. Para isso, é preciso concatenar os campos dois a dois do endereço AB:BD:12:FF:FE:87:0C:EF (para melhorar a compreensão, diferentes cores foram utilizadas para demonstrar os campos que devem ser concatenados) para formar o identificador de interface ABBD:12FF:FE87:0CEF.

A partir daí, ao adicionar o identificador gerado no último passo com um prefixo, cria-se um endereço IPv6. Isto posto, se fosse acrescentado o prefixo 2001:DB8:B010:D0CE::\64, ter-se-ia o endereço mostrado a seguir:

Prefixo: 2001:DB8:B010:D0CE::\64 + Identificador: ABBD:12FF:FE87:0CEF

Forma o endereço IPv6: 2001:DB8:B010:D0CE:ABBD:12FF:FE87:0CEF

Protocolo ICMPv6 (Internet Control Message Protocol version 6)

O ICMPv6 é um dos novos protocolos que surgiram para trabalhar com o IPv6. Baseado na versão anterior, o ICMPv4, ele apresenta as mesmas funcionalidades antigas, porém com algumas modificações adicionais. Isto é, além de informar características da rede, realizar diagnósticos e relatar erros de processamento, ele também possui novas funcionalidades como o mapeamento de endereços da camada 3 para a camada 2 (e vice-versa) e o gerenciamento de grupos multicast. No cenário do IPv4, estas funcionalidades pertenciam a protocolos distintos, como o ARP, RARP e o IGMP. No IPv6, eles não são mais necessários!

Este protocolo é essencial, ou melhor, vital para a comunicação via IPv6. Sem ele, não existe troca de mensagens entre quaisquer dispositivos. Além de realizar funções básicas que possibilitarão que pacotes encontrem seu próximo destino no enlace, este protocolo também permite que outros protocolos escrevam sobre ele. Esse é o caso do Neighbor Discovery Protocol, que possui a mensagem Router Advertisement utilizada na autoconfiguração stateless. A Figura 3 mostra o formato do cabeçalho ICMPv6.

Figura 3. Cabeçalho ICMPv6.

Protocolo NDP (Neighbor Discovery Protocol)

O Neighbor Discovery Protocol é um protocolo desenvolvido para ser a base da arquitetura do IPv6. Ele é escrito sobre o protocolo ICMPv6, com o objetivo de transmitir informações a respeito da vizinhança, como configurações da rede e das máquinas. Seus dados atuam em nível de enlace e, portanto não podem ser repassados pelos roteadores.

Ele é composto por cinco tipos de mensagens: Neighbor Solicitation, Neighbor Advertisement, Redirect, Router Solicitation e Router Advertisement. Cada uma possui suas próprias particularidades e objetivos distintos, sendo assim utilizadas em diversas funcionalidades básicas. Nesse artigo, explicaremos somente as duas últimas, pois só estas participam da autoconfiguração stateless via router advertisement.

Router Solicitation

Essa mensagem serve para um dispositivo localizar os roteadores que estiverem presentes no enlace. Em outras palavras, ele solicita que os roteadores se apresentem ao receber esta mensagem. Os demais dispositivos ignorarão o seu recebimento e continuarão com seus próprios processamentos.

Ela é enviada quando a interface de um dispositivo for habilitada (no momento em que ele se conecta na rede). Ao chegar ao roteador, este enviará uma resposta Router advertisement.

Router Advertisement

Essa mensagem serve para um roteador anunciar sua presença no enlace. Ou seja, ela informa aos dispositivos que roteador está presente e operante. Logo, todos os dispositivos que receberem a mensagem Router Advertisement a interpretarão e adicionarão em seus caches as informações transmitidas.

Ela é enviada em três ocasiões. Uma é em resposta à mensagem router solicitation enviada por um dispositivo qualquer no enlace. A segunda é quando existe uma nova modificação na configuração do roteador que precisa ser informada aos outros dispositivos no enlace. E a terceira, que é enviada de tempos em tempos, serve para atualizar o cache de todos os dispositivos do enlace, atuando como uma espécie de mensagem “keep alive” (aviso de que o roteador continua operante).

Em seus campos, ela carrega diversas informações de configuração, como prefixo para geração de endereços, MTU, DNS, entre outras. Ao se configurar o roteador, este replicará todas essas informações, e as divulgará para que todas as máquinas conectadas se configurem.

Procedimento: detalhando a Autoconfiguração Stateless

Após a explicação das duas mensagens, Router Solicitation e Router Advertisement, falta explicar como elas se juntam para realizar a autoconfiguração de endereços.

Para ingressar em uma rede, a máquina precisa ter o mínimo de conhecimento sobre ela. Para adquirir essas informações, a máquina utiliza mensagens. Ela as envia como uma forma de pergunta para os roteadores, que armazenam os dados da rede, responderem com as informações desejadas.

Essa mensagem “pergunta” é a Router Solicitation, que procura os roteadores presentes e ativos no enlace. Ela é enviada com o destino multicast ALL Routers (identificado pelo endereço IPv6 ff02::2), que atinge todos os roteadores. Estes, então, interpretarão e processarão a mensagem, enquanto que todas as demais máquinas simplesmente ignorarão seu recebimento.

A mensagem Router Solicitation ocasiona a criação de uma mensagem de resposta, chamada Router Advertisement. Tal mensagem, gerada no roteador, é enviada com diversas informações sobre a rede para a máquina se autoconfigurar e assim poder se comunicar. Dentre os dados transmitidos, um que merece destaque é o prefixo de rede. Ao ser mandado em conjunto com o flag AdvAutonomous setado na mensagem, faz com que a máquina receptora elabore um endereço IPv6 próprio (juntando o prefixo recebido com a identificação da interface da própria máquina). Nesse momento, dependendo do dispositivo, um algoritmo para formar o identificador de interface é utilizado, sendo o mais comum o baseado no MAC Address.

A mensagem Router Advertisement pode ser enviada para dois tipos de destino: o unicast da máquina solicitante, ou para o grupo de máquinas pertencentes ao multicast ALL Nodes (identificado pelo endereço IPv6 ff02::1, que atinge todos os nós do enlace). Isso depende da implementação de cada roteador, uma vez que ambas estão corretas de acordo com a Request for Comment (RFC4861). Em roteadores comerciais, normalmente se encontra a segunda opção, uma vez que essa mensagem também serve para informar que o roteador está ativo e operante (ou seja, algo parecido com um Keep Alive) e assim evitar novas trocas de mensagens.

Exemplo prático

Nesse tópico eremos como configurar o roteador para trabalhar com a autoconfiguração stateless via router advertisement. Como existem diversas aplicações e roteadores no mercado, com diferentes sistemas operacionais, que podem realizar esta funcionalidade, para o exemplo a seguir demos preferência a uma opção gratuita que permita implementar adequadamente o protocolo IPv6.

Radvd é uma aplicação daemon open-source, gratuita, que implementa o envio de Router Advertisements. Ele funciona tanto em sistemas operacionais Linux como BSD. Sua instalação e configuração básica são bem simples, o que ajuda ainda mais no aprendizado. Uma de suas principais vantagens é a sua integração com a ferramenta Dibbler, exposta no artigo sobre DHCPv6. Ao se trabalhar com os dois em conjunto, é possível fazer com que o DHCP distribua prefixos (ao invés de endereços) para que sejam repassados via router advertisement. Esta é uma funcionalidade nova do IPv6 chamada prefix delegation, porém esse é um enfoque para outro artigo.

Equipamentos

Para realizarmos o exemplo prático, precisaremos de dois tipos de equipamentos: um computador e um roteador, ambos utilizando o sistema operacional Ubuntu na versão 11.10. O Radvd será instalado somente no roteador, na versão 1.7. Na Figura 4 estão apresentados os diagramas esquemáticos que representam cada equipamento que será utilizado nas experiências.

Figura 4. Equipamentos do exemplo prática.

Instalação do radvd

Antes de começar a instalação é preciso verificar se a ferramenta já está instalada e qual é a respectiva versão. Para isso, no roteador, digite o seguinte comando no terminal:

$ radvd -v

No exemplo utilizaremos o Radvd na versão 1.7. Acredita-se que em outras versões da ferramenta (pouco antigas) a autoconfiguração stateless também funcione corretamente.

Caso o Radvd não esteja instalado no sistema, basta digitar o seguinte comando no terminal:

$sudo apt-get install radvd

Na seção Links é indicada a URL do site que possui o fonte do Radvd para download. Dessa maneira, se houver algum problema com o comando informado, é possível se obter o código fonte e instalá-lo.

Implementação

Neste exemplo, montaremos uma topologia simples composta por um roteador e um computador. Ambos precisam estar conectados por algum meio de comunicação, podendo ser Wi-Fi, cabo ethernet ou outro qualquer. A Figura 5 mostra um desenho da rede que deverá ser criada.

Figura 5. Cenário do exemplo da autoconfiguração stateless.

Depois de criada a topologia da rede, é importante observar as configurações de cada uma das máquinas. Repare nas características das interfaces conectadas entre si. Desta forma, fica fácil entender a troca de mensagens e saber quando o endereço foi adicionado na interface do computador. Para isso, em cada uma das máquinas, digite o seguinte comando:

$ ip addr show

Após a execução desse comando, descubra qual interface está conectada em cada máquina e anote para utilizar nas configurações subsequentes.

Máquina roteador

Nesta etapa, trabalharemos com a configuração do Radvd no roteador. Em seguida, veremos a configuração do computador. Portanto, em um terminal do roteador, edite o arquivo que se encontra no caminho /etc/radvd.conf (caso ele não exista, crie-o e remova a permissão dos outros, com o comando: $ sudo chmod o-w /etc/radvd.conf). Um editor fácil de operar é o “nano”, mas existem outros, como o vi, vim, emacs, pico, etc. A escolha sobre qual ferramenta de edição utilizar deve ser feita de acordo com o conhecimento que o administrador de rede possui. Para abrir o arquivo de configuração em modo de edição com o nano, digite o seguinte comando no terminal do roteador:

$ sudo nano /etc/radvd.conf

Feito isso, coloque as linhas da Listagem 1 dentro do arquivo.

Listagem 1. Arquivo de configuração do Radvd no roteador.


  interface eth0
  {
       AdvSendAdvert on;
       prefix 2001:DB8:C0CA:C01A::/64
       {
                  AdvOnLink on;
                  AdvAutonomous on;
       };
  };

A seguir, explicaremos o motivo do uso de cada uma das linhas presente no arquivo de configuração da Listagem 1:

· interface eth0: determina o nome da interface na qual se definirá um escopo de configuração. A partir deste escopo, o administrador de rede poderá tanto delimitar as funções que serão habilitadas na interface como também escolher os tipos de dados que serão transmitidos. No nosso caso, trabalharemos com a eth0, mas o leitor deverá colocar a interface previamente anotada (usando o comando ip addr show);

· AdvSendAdvert on;: habilita um flag para indicar que o roteador deverá enviar mensagens router advertisements através da interface definida, independentemente se o motivo for o envio periódico ou em resposta à mensagem router solicitation;

· prefix 2001:db8:1::/64: determina um escopo para o prefixo de rede que será divulgado nas mensagens router advertisement. Escolha o prefixo do endereço da sua interface no roteador. Dessa forma, o computador, ao se configurar, poderá se comunicar com o roteador utilizando o endereço gerado. Não se esqueça de utilizar um prefixo do tamanho de 64 bits, que é o necessário para a autoconfiguração funcionar;

· AdvOnLink on;: habilita um flag que indica se o prefixo divulgado pertence ao enlace. É a partir dessa configuração que a máquina saberá para onde enviar os dados de determinado destino, se é diretamente para a máquina que está presente no enlace ou para um roteador.
Como queremos que a funcionalidade de autoconfiguração de endereço IPv6 no enlace ocorra, convém setar esse flag para que, dessa maneira, todos os computadores conectadas saibam que o prefixo enviado está sendo utilizado em endereços no enlace;

· AdvAutonomous on;: habilita um flag que indica que as máquinas receptoras da mensagem devem realizar a autoconfiguração de endereços utilizando o prefixo enviado.

Outras linhas de configuração podem ser adicionadas para transmitir mais informações sobre a rede, como por exemplo: AdvLinkMTU 1280;, que serve para informar as máquinas sobre o tamanho máximo de MTU (1280) dos pacotes que podem trafegar no enlace; e RDNSS 2001:DB8:1:1::1 {};, que informa o endereço da máquina de DNS (nesse caso foi utilizado um endereço fictício). Para adicionar novos comandos, veja na seção Links o manual do Radvd.

Depois de gerado o arquivo de configuração, podemos iniciar o Radvd no roteador. Para isso, digite o seguinte comando no terminal:

$ sudo radvd -C /etc/radvd.conf

Máquina cliente

Finalizada a inicialização do Radvd do roteador, podemos observar a interface da máquina conectada para ver o novo endereço configurado. Portanto, digite o seguinte comando na máquina do cliente e repare no endereço IPv6 que possui o mesmo prefixo enviado pelo Router Advertisement (2001:DB8:C0CA:C01A::/64, configurado no Radvd anteriormente):

$ ip addr show

Caso nenhum endereço apareça, convém analisar se o computador está configurado para aceitar o anúncio de router advertisements. No Linux, a regra é que esta configuração venha “setada”, mas vale a pena conferir! Para isso, digite o comando a seguir e observe se aparece o valor 1 na tela:

$ sudo nano /proc/sys/net/ipv6/conf/eth0/accept_ra

Vale ressaltar que eth0 corresponde à interface conectada no enlace. Caso a interface seja outra, esta deve ser trocada nesse comando.

Se aparecer o valor 0, edite para o valor 1 e salve. Repita o mesmo processo para o arquivo /proc/sys/net/ipv6/conf/eth0/accept_dad, que determina se a máquina deve ou não realizar a funcionalidade de detecção de endereços duplicados. Antes de um endereço IPv6 ser adicionado a uma interface de uma máquina, esta precisa ter certeza que o endereço é único no enlace. Sendo assim, a máquina precisa executar essa funcionalidade.

Por fim, reinicie as configurações da interface da máquina com o comando:

$ sudo service networking restart

Resultado

Para entender melhor a troca de mensagens e observar as informações que estão sendo transmitidas, pode ser utilizado o programa Wireshark. Dessa maneira, o administrador de rede conseguirá observar os erros nas mensagens trafegadas e propor soluções. No sistema operacional que estamos trabalhando no exemplo, o Ubuntu, a instalação do Wireshark é bem simples, basta digitar no terminal:

$ sudo apt-get install wireshark

Feito isso, aproveite o programa para iniciar a captura dos pacotes que estão passando pela interface de rede da máquina. Assim, poderá observá-los e estudá-los para compreender melhor a funcionalidade autoconfiguração stateless de endereços.

Como conseguir um endereço IPv6?

Caso o leitor não possua endereço IPv6 do seu provedor para reproduzir o exemplo prático, é possível conseguir através de um tunnel broker. Existem algumas opções desse serviço na internet, contudo citaremos duas que são gratuitas e que possuem boa reputação. A primeira delas é a Hurricane Eletric, uma empresa que possui o maior backbone IPv6 do mundo, medido em quantidades de redes conectadas. A outra é a SixXs, que oferece serviços de forma colaborativa para várias organizações e possui o enfoque de prover uma boa conectividade IPv6. Ambas fornecem blocos de endereços mediante um simples cadastro; basta preencher os formulários nos endereços expostos na seção Links.

Ao receber o bloco IPv6 é preciso garantir que o prefixo possua exatamente 64 bits. Para isso, o leitor pode utilizar um divisor de sub-redes, como o demo do NIC.br ou o aplicativo Android chamado Subnet6 do SimpleBit. Os dois utilizam algoritmos padronizados pela RFC 3531 para a divisão de redes e suas URLs também se encontram na seção Links. Dessa forma, não haverá dificuldades em se trabalhar com o novo protocolo.

Conclusão

Com a crescente migração para o IPv6, os profissionais ligados à área de redes devem estar sempre atualizados para trabalhar com as funcionalidades do novo protocolo. Neste cenário, o presente artigo trouxe uma das configurações possíveis que facilitarão o processo de sua implantação. Além dos conceitos básicos de IPv6, que já foram abordados em outro artigo, foi apresentada a técnica de autoconfiguração stateless via router advertisement.

Enfim, espera-se que todos os ensinamentos transmitidos neste artigo ajudem o leitor a implementar IPv6 na sua rede. Quanto maior o número de computadores operando com o novo protocolo, melhor será o futuro da internet.

Links

Site da ferramenta Radvd
http://packages.ubuntu.com/lucid/radvd

Guia de uso do Radvd
http://manpages.ubuntu.com/manpages/hardy/man5/radvd.conf.5.html

RFC 4861 – Neighbor Discovery for IP version 6
http://tools.ietf.org/html/rfc4861

Apostila “Curso IPv6 básico” do NIC.br
http://ipv6.br/download/

Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR
www.nic.br