J2ME e o consumidor de softwares para celulares

José Milagre (e-mail) Advogado, Analista Programador, Perito Computacional, Sócio do Escritório Maia e Advogados Associados, Especialista em Direito Eletrônico pelo IPEC/SP, LLM em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Fênix/SP, Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB/SP 21ª Subsecção, Vice-Presidente de Associação Brasileira de Forense Computacional, Professor de Forensics e Direito da Informática.

Avanço da linguagem universal Java, a popularização dos dispositivos móveis, em especial dos celulares, fez nascer um novo mercado, engendrado na terceira economia, o desenvolvimento de aplicativos e jogos para equipamentos celulares, palms, smart-phones, hand helds, dentre outros.

Dentre as principais linguagens deste mercado está o J2ME (Java to Micro Editon), arquitetado pela SUN, e que tem alcançado adeptos em todo o Brasil, impulsionados pelo iminente e promissor campo de trabalho. No país, o padrão de configuração adotado pela maioria dos fabricantes de celulares é o CLDC (Connected Limited Device Configuration), sendo que sobre este padrão, encontramos o Profile MDIP (Mobile Information Device Profile), o que garante flexibilidade às mudanças tecnológicas, eis que o profile pode ser facilmente substituído.

Tamanha facilidade, programação acessível e ferramentas IDE livres, fizeram com que muitas soft-houses, especializadas em programação para dispositivos móveis, surgissem, nem sempre, contudo, desenvolvendo aplicativos de qualidade e que respeitassem as funções internas dos equipamentos, já programados de fábrica.

Neste ínterim, temos evidenciado equipamentos celulares travando, executando rotinas automáticas, não “obedecendo” a comandos, dentre outras situações que motivaram nossa ponderação do assunto sob a ótica consumerista.

No mercado de software para móbiles temos três cenários: O primeiro, onde o desenvolvedor negocia com uma operadora, por meio de distribuidoras, as chamadas “publishers”, que ao analisarem o aplicativo, o “licenciam” mediante pagamento de comissionamento, por software “baixado”. O segundo cenário, onde o desenvolver vende os códigos-fonte de sua operação aos publishers ou às operadoras, não mais recebendo qualquer numerário pela derivação e popularidade do jogo ou aplicativo. O terceiro cenário, em que o desenvolvedor vende cópia de seu aplicativo, já compilado (fechado), a usuários, que por meio de conexões cabo ou infravermelho, sozinhos, diretamente inserem o conteúdo em seus equipamentos.

No primeiro cenário de mercado, temos aplicado o contrato de “agenciamento”, onde o Publisher será remunerado em um percentual da venda do software pela operadora, que incidirá sobre cada download. Cumpre destacar que o Publisher geralmente realiza outro contrato com a operadora, visando definir os percentuais de venda. No segundo cenário temos uma “cessão definitiva” de direitos de software do desenvolvedor para a operadora. Por fim, no terceiro cenário, geralmente identificamos a compra e venda de software compilado, embora por vezes, verificarmos também o licenciamento de software.

A questão se acalora quando os softwares não atendem às necessidades básicas do comusumidor, e indo a frente, quando contém vícios que prejudicam o sistema operacional e aplicativos dos dispositivos móveis. É possível responsabilizar o desenvolvedor? O Publisher? Ou ainda, posso imputar a operadora a falha em um aplicativo baixado?

Preliminarmente destacamos que a relação entre desenvolver, publisher e operadora não é tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista logicamente se tratar de empresas que não são destinatárias final dos produtos, diga-se, os jogos, aplicativos e utilitários para celulares. Qualquer obrigação entre estas partes é puramente contratual, sendo regulada pelos preceitos do Código Civil.

A respeito do produto “software”, não é demais destacar que o Código de Defesa do Consumidor, estende à categoria de produtos, os intangíveis, senão vejamos:

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.


Nesta conjunção, ao comercializar o código-fonte de um aplicativo para um dispositivo móvel, o desenvolvedor não pode controlar as derivações e implementações realizadas, e não sendo mais o proprietário do software compilado, não há como ser responsabilizado pelo consumidor.

Entretanto, ao fornecer seu aplicativo ao publisher, que por sua vez negocia com a operadora, é forçoso admitir a exclusão de qualquer das três partes da responsabilidade por vício do produto, já que disposição expressa no Código de Defesa do Consumidor:

Art. 18 - Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º - Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.


A equiparação é simples e plenamente aplicável: A operadora é o fornecedor, o publisher o distribuidor, e o desenvolvedor o fabricante, de tal modo que
lei prescreve a responsabilidade das três figuras, por vícios de produto ou serviço.

Nesta esteira, evidentemente que a operadora é a principal responsável, já que ela coloca o produto em contato com o consumidor e o comercializa oferecendo-lhe a possibilidade de download via http (internet) ou wap (internet móvel). Ademais, para chegar até a operadora, o aplicativo em sua versão demo é testado e restestado pelo publisher, de modo a filtrar eventuais bugs e corrigi-los, pra só então ser aprovado pela operadora como um de seus aplicativos disponíveis.

Ademais, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, independentemente de culpa, responderá pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações inadequadas sobre sua fruição e riscos. Ainda, o fornecedor será responsável quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados bem como quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador.

Daí a necessidade da operadora estabelecer uma política de qualidade e de
segurança jurídica quando da contratação ou licenciamento de aplicativos e softwares para dispositivos móveis, dada sua posição de fornecedor direto de tais e-produtos, estando sujeita a reclamações de consumidores.

É preciso consciência jurídica de que software é produto e deve, mesmo sendo comercializado integralmente no ambiente eletrônico, vir instruído de manual de instruções e informações claras sobre suas características, memória ocupada, requisitos mínimos, censura, dentre outras. Um aplicativo que ocupando alguns kbytes a mais, impossibilita o consumidor de receber um pedido de compras, ou uma mensagem importante, ou um aplicativo baixado que contém cenas de incitação ao crime ou eróticas, visualizadas por uma criança, podem perfeitamente gerar reflexos na esfera cível e até criminal.

Ainda, é possível que o consumidor baixe um aplicativo ou um jogo e entenda que tal software não atende suas expectativas, solicitando a devolução do software e restituição da quantia paga: O famoso “direito ao arrependimento”. Em nada se diferenciando de um produto convencional, entendemos que ringtones, aplicativos e jogos também podem ser devolvidos (ou simplesmente deletados da memória do equipamento), com conseqüente restituição da quantia paga.

Deve-se lembrar que o consumidor pode desistir, no prazo de 07 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, devem ser devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Com efeito, evidentemente que a contratação, nestes casos, se dá fora do domicílio da operadora, eis que a aceitação do contrato se dá por uma interação com o software instalado no celular, o produto é recebido por download, e censurável imaginarmos que o site ou o servidor da operadora estejam incluídos no contexto de domicílio da mesma. As operadoras deverão esquematizar uma política de atendimento ao consumidor sobre seus serviços e produtos, que satisfaçam integralmente o mandamento consumerista brasileiro.

Por fim, remontamo-nos ao cenário onde o próprio consumidor adquire o software do desenvolvedor e diretamente copia os arquivos (.jar) ou instala espontaneamente em seu aparelho. Nesta hipótese, qualquer defeito causado pelo software não poderá ser imputado à operadora nem a montadora do equipamento, eis que não obstante o produto ser munido de plataforma
Java e aceitar a inserção de programas, não significa dizer que a operadora ou montadora garante a segurança de tudo que no equipamento for inserido.

É da inteligência do próprio Código de Defesa do Consumidor: O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador só não serão responsabilizados quando provarem que não colocaram o produto no mercado bem como quando a culpa for exclusiva do consumidor ou de terceiro. Com a proliferação da programação J2ME é comum verificarmos sites e sites com downloads de softwares para celulares, no entanto, sob a ótica legal, cabe a cautela de estilo ao consumidor sobre estes produtos, já que nem tudo que ingresse em seu celular e cause danos, é de responsabilidade da operadora.