O encontro das Águas

 

 

A experiência de presenciar o encontro das águas turvas do Rio Solimões com as águas escuras do Rio Negro é algo único e inesquecível. Quem nunca foi até lá para ver, não sabe o que está perdendo. O tom barrento do Solimões deve-se ao fato de suas águas descerem as Cordilheiras dos Andes, levando consigo uma série de resíduos orgânicos como galhos e plantas. O Rio Negro nasce na Colômbia e vai em direção ao Pico da Neblina. Por causa das rochas densas e antigas de sua nascente, como o nome já diz, o tom da água do Rio Negro é escuro. Quando as águas frias e rápidas do Solimões encontram as águas quentes e lentas do Rio Negro, acabam formando um espetáculo único de beleza.

 

Você deve estar se perguntando por que eu estou falando de Pico da Neblina e Rio Negro, não é por acaso. Lugares como esses, considerados remotos e de difícil acesso, não podem esperar por receber a nova onda de conectividade sem fio de alta velocidade. Isso é útil, não só para barcos que descem rios durante longas jornadas, bem como para equipes militares que treinam em bases de montanhas com o Pico da Neblina. Esses são apenas dois simples exemplos das centenas de aplicações que o WiMax poderá ter em breve no nosso cotidiano.

 

A verdade é que o WiMax já está por perto, todo mundo sabe disso. Por aqui, ele chegou com um sabor de "old meets new" embalado por cenários barrocos e belas paisagens regadas à tecnologia de ponta, seja em Ouro Preto ou no interior paulista. O primeiro a chegar foi o WiMax fixo (802.16a), responsável por esses ventos que sopram tecnologia e informação para as paisagens mais remotas país a dentro. Recentemente, foi a vez do - tão esperado - WiMax móvel (802.16e) ser ratificado pelo IEEE, mas esse deve demorar um pouco mais para chegar aqui.

 

Ninguém duvida da importância do WiMax no cenário de inclusão digital, expansão e democratização da informação por vias digitais. O WiMax tem o poder de achatar a pirâmide sócio-digital, rompendo barreiras geográficas e, em alguns casos, se aproveitando delas para romper barreiras sociais. Além de viabilizar a expansão dos serviços de comunicação digital para as regiões remotas, as ondas de rádio do WiMax também têm uma grande utilidade dentro dos perímetros urbanos onde as classes sociais, muitas vezes, ficam a poucos metros de distância umas das outras. Se um projétil consegue cruzar essa fronteira, o WiMax e seu alcançe de 30 milhas também conseguirá com toda certeza.

 

Geralmente, esses poucos metros que separam uma favela de um condomínio de classe média são um dos fatores delimitadores da inclusão/exclusão do mundo digital de hoje. Alguém já ouviu falar de favelas com ADSL? Eu não. Pode parecer utópico imaginar que o morador de uma favela poderá investir algumas centenas de reais em um computador com modem compatível com WiMax. Sim, seria utópico se projetos como o do MIT não fossem tão reais quanto o próprio WiMax.

 

O projeto de laptop de cem dólares desenvolvido pelo MediaLab do MIT permitirá que crianças e populações carentes de paises como a Tailândia e Brasil tenham as suas primeiras experiências no mundo digital. Muitas dessas crianças estarão acessando a internet pela primeira vez e o fato do projeto estar baseado em um equipamento portátil, que pode ser levado a lugares onde não há energia, amplia ainda mais as perspectivas dessa iniciativa.

 

 

 

Escolas públicas em países de terceiro-mundo são alguns dos principais alvos do projeto do. Os pais mostrarem aos filhos as coisas mais importantes da vida sempre foi algo comum em todas as classes. Coisas como educação e conhecimento parecem sempre vir do maduro para o mais jovem. Em algumas regiões, projetos desse tipo podem ser interessantes no sentido de levar conhecimento e informação através dos mais jovens, que poderão então mostrar aos seus pais o que há de mais moderno no mundo atual. Isso será possível se os laptops de cem dólares tiverem livre acesso à internet e se operadoras e provedores WiMax liberarem o acesso para usuários com esse perfil diferenciado, em troca de algum tipo de incentivo fiscal.

 

Esse é apenas um dos aspectos que definem a importância e espaço que o WiMax fixo tem, seja no campo ou na cidade.

 

O irmão mais novo do WiMax, o 802.16e, por outro lado, parece estar atrasado para uma competição de pesos pesados com alguns padrões da "turma" das WWANs. Estamos falando de um ringue que, hoje, conta com tecnologias como o EDGE, Ev-Do, UMTS, e que não pára de receber mais gente. Em breve, deve começar a aparecer o HSDPA(3.5G) e o estonteante HSUPA (3.75G/4G) com seu uplink de 5.8mbps (haja resolução na câmera). Cada um desses elementos parece ter uma torcida fiel e agressiva na hora de defender os interesses, afinal, há uma série de apostas e muito dinheiro em jogo. A briga promete ser boa.

Os apostadores, de acordo com seus perfis mais comuns, podem ser agrupados em três times principais:

Operadoras móveis

Nesse time estão empresas como a TIM, Vivo, Claro, Telemig Celular, Oi, etc. Por estarem no mercado de telefonia móvel há muito tempo, dificilmente investirão em mares muito distantes das plataformas com as quais já operam. Ainda nesse time, é possível fazer uma sub-divisão onde temos as operadoras de GSM/W-CDMA de um lado e as operadoras de CDMA/CDMA2000 de outro.

Operadoras fixas

Basicamente Telefônica, Telemar, Brasil Telecom, Sercomtel e CTBC. Todas elas, fortes investidoras em ADSL e detentoras das extensas malhas telefônicas nas capitais brasileiras. Praticamente todas já deram seus primeiros passos rumo ao provimento de internet sem fio através dos serviços Speedy Wi-Fi, Velox Wi-Fi e BrTurbo Asas. Para esse time, o WiMax móvel e/ou fixo seria uma evolução natural.

TVs a cabo

Assim como o time anterior, esse também opera com boa parte de seu cabeamento via terra, porém, com uma peculiaridade importante: foco em conteúdo. O negócio dessas empresas é totalmente focado em conteúdo. O cabo é apenas um meio para levar o conteúdo (pago) às residências das classes mais altas. Para essas empresas, o acesso à internet surgiu mais tarde como uma forma lucrativa e inteligente de aproveitar melhor o recurso físico já presente nas principais cidades. Além de aproveitar melhor o meio e aumentar a receita, o acesso à internet via cabo potencializa o próprio negócio de TV por assinatura e seu conteúdo, já que há um forte movimento de convergência de mídias em andamento no mundo todo.

 

Há aqueles que apóiam mais de um time, como é o caso da Telemar e BrTurbo, que operam nos mercados de telefonia móvel e fixa. Também não podemos nos esquecer dos milhares de pequenos provedores de acesso que já operam em todo o país, em sua esmagadora maioria, através de ondas de rádio.

 

Essa enxurrada de tecnologias de alta velocidade que surgem a cada dia, assim como o movimento desses imponentes "blocos", ora formados por mega corporações, ora compostos por micro empresas, cria um espaço própício à dúvidas e incertezas.

 

Alguns dizem que o WiMax será "a tecnologia sem fio" das próximas décadas. Outros se apoiam na idéia do acesso móvel sendo feito através da extensa malha móvel já presente e em constante upgrade tecnológico. Outros afirmam que o futuro será uma convergência de todas essas tecnologias. É fato que a Intel tem feito um ótimo trabalho de divulgação em torno do WiMax. Não é difícil perceber que a popularidade e fama que o WiMax atingiu é imensamente maior que a de qualquer outra tecnologia móvel de seu porte, porém, a grande maioria das pessoas fica "no ar" quando se dá conta da quantidade de tecnologias competindo no mesmo espaço. Há muita incerteza e confusão no ar.

 

Em alguns mercados o WiMax móvel está chegando com atraso. É o caso do Japão e Europa por exemplo, onde as tecnologias 3G já estão em pleno funcionamento há algum tempo e boa parte dos consumidores desse tipo de serviço já estão equipados com equipamentos próprios para essas tecnologias. Nesses lugares, a penetração do WiMax móvel será mais lenta e difícil. Já em outros solos, como o nosso por exemplo, o WiMax móvel tem uma boa chance de chegar competindo com mais força com as tecnologias de terceira geração recém-chegadas por aqui. A Coréia do Sul é um caso à parte quando o assunto é banda larga. Lá, o WiBro (variação local do WiMax móvel) já funciona de vento em popa, proporcionando downloads em movimento de até 700 kbps!

 

Em qualquer um desses lugares, o WiMax contará com o "apoio" dos valores cobrados pelos serviços de terceira geração, que parecem assustar a maioria dos "early adopters". Isso acontece na Inglaterra, onde clientes das principais operadoras costumam reclamar das taxas abusivas cobradas por esse tipo de serviço. A ausência de planos "flat fee" também irrita e afugenta os menos afortunados. Se isso é um problema nos países ricos, imagine por aqui.

 

Não é muito provável que o futuro das telecomunicações/internet/banda larga sem fio dará exclusividade a uma ou duas tecnologias desse tipo, afinal, todas elas já estão muito bem encaminhadas, principalmente aquelas que já dividem espaço no mercado das operadoras móveis. O WiMax móvel chegará atrasado, porém, com peso e o apoio das maiores empresas de tecnologia do planeta. É mais provável que haja uma segmentação de mercado e coexistência de todas essas tecnologias complementando-se umas às outras.

 

De todas elas, o WiMax é a mais próxima da das operadoras de telefonia fixa, empresas TV a cabo, pequenos provedores ou novos "membros" que possam surgir nesse time. Também não há dúvidas de que as operadoras móveis deverão investir mais e mais em tecnologia e serviços de alta velocidade para suas redes já existentes, afinal, há um limite eminente no consumo de serviços de voz, ao mesmo tempo em que o mercado começa a urgir por dados e serviços mais sofisticados, tais como vídeo-conferência móvel, mobile TV, mobile music e multimídia nos celulares.

 

Essa coexistência tende a se repetir dentro das residências, que terão antenas de WiMax do lado de fora, provendo conectividade para transmissores Wi-Fi internos, que por sua vez, farão parte das redes domésticas com dispositivos UWB (TV digital, media center, wireless library), Bluetooth (headsets, mouses sem fio, controles, etc) e Zigbee (luzes, utensílios domésticos, etc), todos funcionando de forma harmônica e concretizando o conceito de wireless home/casa inteligente do futuro, além da total mobilidade, lógico.

 

Assim como as águas do Rio Negro e Solimões, todas essas "tecnologias invisíveis" e suas respectivas freqüências estão próximas de se encontrarem, compartilhando o mesmo espaço em diferentes freqüências e modulações.

 

Quando todas essas tecnologias estiverem em operação simultânea, a beleza estará na riqueza de aplicações e informação que fará parte do cotidiano de todos nós. Uma coisa é certa: as tecnologias móveis/sem fio ajudarão a aproximar as diversas classes dentro desse novo mundo virtual, diminuindo aos poucos essa diferença de tons que hoje assombra as fronteiras invisíveis de nossas cidades.

 

WiMax, a Rocinha é logo ali.

 

Ricardo Menezes é diretor de criação e designer de mídias interativas certificado pela Adobe/Macromedia. Trabalha no mercado de mídias interativas desde 1992. Foi responsável pelo desenvolvimento dos primeiros projetos de multimídia da Midialog (atual AgênciaClick), desenvolveu projetos para a divisão interativa da TV1 e fundou a Invision Comunicação Interativa em 1996. Atualmente reside na Ásia, de onde abastece o MobileZone com as últimas novidades sobre mobilidade e tecnologias sem fio.

 

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